O Capítulo XV do Código de Trânsito Brasileiro dispõe sobre as infrações de trânsito, que ocorrem quando da inobservância à legislação de trânsito. São diversas condutas expressamente previstas no CTB que são consideradas ilegais e que ao serem praticadas, além de colocar em risco a segurança da coletividade, implica em sanção para aquele que infringiu a lei.
Como referência normativa além do CTB para fins de fiscalização, existe outro instrumento legal que é utilizado, trata-se do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (MBFT), regulamentado pela Resolução nº 985/2022 do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, sendo esta a norma a ser observada pela autoridade de trânsito na aplicação das penalidades, pelos seus agentes na fiscalização e pelos julgadores.
Nas mais de 400 fichas individuais de fiscalização, são detalhados os procedimentos a serem seguidos quando da constatação de uma irregularidade no trânsito. Inclusive, quando o agente da autoridade de trânsito adota um procedimento diverso não previsto no MBFT, o ato administrativo produzido passa a ser questionável legalmente, conforme o caso.
Justamente por essa enorme quantidade e variedade de tipos infracionais é que surge muitas vezes a dúvida se em determinada situação o agente da autoridade de trânsito, ao constatar mais de uma possível irregularidade, deverá lavrar um ou mais autos de infração, objetivando o fiel cumprimento da norma, de modo a não agir de forma abusiva, gerando punições injustas ou mesmo ilegais.
De acordo com o art. 280 do CTB, ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, deverá ser lavrado o auto de infração, sendo este um ato vinculado na forma da lei, no qual deve constar algumas informações previstas neste artigo e na legislação complementar, a exemplo do MBFT e da Portaria nº 354/2022 da Secretaria Nacional de Trânsito - SENATRAN, que estabelece os campos e informações mínimas que devem compor o AIT, que é peça a informativa que dá início ao processo administrativo.
Em alguns casos é possível que haja, teoricamente, duas ou mais infrações, mas o agente da autoridade de trânsito deverá lavrar apenas um auto de infração, a depender da situação, conforme previsão legal, como no caso da constatação de infrações simultâneas em que os códigos infracionais possuam a mesma raiz (os três primeiros dígitos), quando deverá ser considerada apenas uma infração.
Para exemplificar, podemos citar a infração do art. 167 do CTB por “deixar o condutor ou passageiro de utilizar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65”. O código da infração, composto por cinco dígitos, possibilitando a individualização das condutas infracionais, para o caso do condutor sem o cinto é “518-51”, enquanto o passageiro sem o cinto é “518-52”. Dessa forma, o agente deverá lavrar apenas um auto de infração, ainda que haja o condutor e um ou mais passageiros sem utilizar o cinto, pois a raiz dos códigos é a mesma, devendo ainda descrever a situação observada no próprio AIT.
Outro exemplo para melhorar a compreensão, podemos citar as infrações por falta de capacete, previstas nos incisos I e II do art. 244 do CTB, do condutor e do passageiro, respectivamente. A falta de capacete do condutor tem como código da infração o “703-01”, enquanto no caso do passageiro o código é “704-81”. Sendo assim, o agente da autoridade de trânsito ao flagrar condutor e passageiro sem capacete em uma motocicleta deverá autuar duas vezes.
Devemos compreender ainda que as infrações simultâneas podem ser concorrentes ou concomitantes. As infrações concorrentes são aquelas em que o cometimento de uma infração implica necessariamente o cometimento de outra. Nesses casos, será lavrado um único AIT. Como exemplo prático, podemos citar as infrações por ultrapassar pelo acostamento (art. 202, inc. I), que vai implicar necessariamente na prática da infração de transitar com o veículo pelo acostamento (art. 193). Neste caso, o agente deve autuar apenas no art. 202, inc. I, do CTB, pois a conduta observada no exemplo se amolda a este tipo infracional.
São concomitantes aquelas infrações que ocorrem de maneira independente umas das outras. Nesses casos, será lavrado um AIT para cada infração constatada, na forma dos arts. 266 e 280 do CTB. São exemplos de infrações concomitantes o veículo que avança o sinal vermelho do semáforo (art. 208) e que excede o limite de velocidade em menos de 20% (art. 218, inc. I), duas infrações distintas.
A concomitância não ocorrerá, entretanto, em infrações que não podem ocorrer simultaneamente, conforme a tipificação de cada uma delas. Não é possível autuar um veículo, no mesmo local, dia e horário, por uma infração de estacionamento e outra de movimento. Nesse caso, caberá apenas uma delas.
Infrações que contenham, em seu tipo infracional, os verbos “conduzir”, “dirigir”, “transitar” e “circular” (e suas variações) implicam, necessariamente, que o veículo esteja em movimento. São exemplos de infrações que não podem ocorrer simultaneamente, o veículo estacionado na esquina (art. 181, inc. I) e com o licenciamento vencido (art. 230, inc. V), sem que tenha sido constatada a condução do veículo. Neste caso, caberá autuação apenas pela infração do art. 181, inc. I, do CTB.
O atual MBFT ainda trouxe outros dois conceitos que até então não existiam na norma, apesar de haver entendimentos doutrinários nesse sentido. Primeiro temos o caso das infrações continuadas, que caracterizam-se por uma conduta única, inalterada e ininterrupta, observada por mais de uma vez em momentos distintos e sequenciais (vale lembrar que a abordagem do condutor pelo agente da autoridade de trânsito faz cessar a infração continuada). Nesse caso, deverá ser lavrado um único AIT.
São exemplos de infração continuada o veículo estacionado em local proibido que não possa ser removido e permaneça estacionado no mesmo lugar, tendo sido constatada a infração e a consequente autuação por mais de um agente, hipótese em que será legalmente válida apenas a primeira autuação, ou ainda, o condutor ou passageiro sem utilizar o cinto de segurança ao longo da extensão de uma avenida, tendo sido flagrado e autuado por mais de um agente, de modo que apenas a primeira autuação é válida.
A outra situação são as infrações sucessivas, que caracterizam-se pelo cometimento de repetidas condutas idênticas, ao longo de um percurso, de forma reiterada e intermitente. Nesses casos, será lavrado AIT para cada infração constatada, na forma dos arts. 266 e 280 do CTB. São exemplos de infrações sucessivas, duas ou mais ultrapassagens pela contramão onde houver marcação viária longitudinal de divisão de fluxos opostos do tipo linha dupla contínua ou simples contínua amarela (art. 203, inc. V), dois ou mais avanços de sinal vermelho do semáforo ou o de parada obrigatória (art. 208).
Portanto, cabe aos agentes da autoridade de trânsito observar a previsão legal acerca da possibilidade de uma ou mais autuações a depender do caso concreto e também as definições apresentadas servem igualmente para os condutores incursos nas diversas situações possíveis avaliarem se não estão sendo indevidamente punidos, objetivando sempre o fiel cumprimento da lei por todos.
Caruaru-PE, 25 de maio de 2023.
GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Especialista em Direito de Trânsito. Professor de Legislação de Trânsito. Diretor de Ensino da Educate. Professor em cursos de Pós-Graduação em Gestão e Direito de Trânsito. Membro da Comissão de Trânsito da OAB Caruaru-PE. Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito”. Criador e colaborador do site Sala de Trânsito.