Logo

Proprietário que danifica seu veículo no momento da remoção

Nas redes sociais sempre surgem postagens que suscitam bons debates sobre legislação de trânsito e um desses temas é em relação a condutores que, revoltados com a remoção do seu veículo por parte da fiscalização de trânsito em razão do descumprimento da lei, acabam destruindo o próprio bem.


É importante frisar que quando o Agente da Autoridade de Trânsito vai aplicar a medida administrativa de remoção do veículo, sua ação está respaldada pela lei, até porque não poderia ser diferente, pois todo agente público está sujeito ao princípio da estrita legalidade. Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 2005) define: “A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”. Portanto, nos casos previstos em lei, não há que se falar em excesso quando da aplicação de uma medida administrativa.


Nas infrações em que houver a previsão da retenção do veículo para sua regularização mediante recolhimento do CRLV, considerando que o agente entenda que há condições de segurança para prosseguir (art. 270, § 2º, do CTB), ao danificar seu veículo, evidentemente que o proprietário impossibilitará a liberação naquele momento por razões óbvias.


Além do mais, a aplicação da medida administrativa de remoção do veículo, mesmo nas situações previstas pela legislação, não caberá nos casos em que a irregularidade puder ser sanada no local da infração, conforme determina o art. 271, § 9º, do CTB, incluído pela Lei nº 13.160/15.


São várias as hipóteses previstas no Código de Trânsito Brasileiro que preveem a remoção do veículo como medida administrativa. Porém, a mais conhecida delas e também objeto de questionamentos diversos é a infração por conduzir o veículo que não esteja devidamente licenciado (art. 230, V, do CTB). Apesar de certa polêmica levantada por alguns, o fato é que o dispositivo legal que condiciona o pagamento de débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, como meio de licenciamento, nesse caso o § 2º do art. 131 do CTB, foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 2998) proposta pelo Conselho Federal da OAB junto ao Supremo Tribunal Federal que decidiu pela constitucionalidade do dispositivo, ou seja, o pagamento é mera formalidade para licenciar anualmente o veículo e sua remoção por esse motivo não é ilegal nem constitui nenhum tipo de abuso.


Sendo assim, quando o Agente da Autoridade de Trânsito abordar um veículo e perceber que não está devidamente licenciado deverá autuar e remover para o pátio do órgão de trânsito. A liberação ficará condicionada à regularização da situação. Se nesse momento o proprietário do veículo revoltado com o ocorrido decidir danificar seu próprio bem, não estará cometendo nenhuma infração de trânsito por falta de previsão legal nesse sentido. O agente também não será responsabilizado, pois não deu causa a nenhum ilícito.


Até mesmo o crime de dano, tipificado no art. 163 do Código Penal, inexiste para o proprietário pelo fato de que o tipo penal prevê como reprovável a conduta de “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”, ou seja, por se tratar de um bem próprio, o fato é atípico criminalmente. Restaria configurado o crime se a revolta do sujeito se voltasse contra o veículo da equipe de fiscalização, uma placa de trânsito, as vidraças de um estabelecimento próximo etc. É possível ainda que naquela ocasião o cidadão inconformado acabe por praticar outros delitos, a exemplo da desobediência à ordem legal do funcionário público ou mesmo do desacato, artigos 330 e 331 do Código Penal, respectivamente.


Se durante a ação de destruição do seu bem, o proprietário vier a colocar em risco a segurança dos presentes no local, então pode caracterizar o crime de “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”, previsto no art. 132 do CP. Em caso extremo, se decidir incendiar seu veículo, então estaremos diante do crime de “Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem”, tipificado no art. 250 do CP. Por fim, mas não menos importante, o art. 37 da Lei das Contravenções Penais ainda prevê como conduta ilícita “Arremessar ou derramar em via pública, ou em lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém”. Estando diante de uma dessas condutas, cabe ao agente adotar as medidas cabíveis.


Evidentemente que o cidadão tem seus direitos e deveres, mas não reconhecer o cometimento de uma irregularidade e agir de tal modo que acabe por destruir seu próprio bem não pode ser considerado uma postura normal. Além do mais, se o cidadão entender que a ação da fiscalização é arbitrária e lhe traz algum prejuízo sob o ponto de vista legal, é perfeitamente possível que se produza provas, trata-se do princípio da publicidade dos atos administrativos previsto no art. 37 da Constituição Federal. Nessa mesma linha, o agente fiscalizador também pode produzir provas do eventual ilícito praticado pelo particular para que este seja punido, se for o caso, ou mesmo para evitar problemas futuros.


Lamentavelmente muitas dessas ações são reflexo de uma cultura de desinformação e da falta de interesse em conhecer o tema mais a fundo. Em tempos de “fake news”, é muito mais fácil acreditar no que convém do que procurar compreender os fatos e buscar se manter em conformidade com as exigências legais.


Caruaru-PE, 16 de outubro de 2019.


GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Especialista em Direito de Trânsito. Professor de Legislação de Trânsito. Diretor de Ensino da Educate. Professor em cursos de Pós-Graduação em Gestão e Direito de Trânsito. Membro da Comissão de Trânsito da OAB Caruaru-PE. Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito” (Ed. Juspodivm). Criador e colaborador do site Sala de Trânsito.

Por Gleydson Mendes 21 de novembro de 2024
Gleydson Mendes
Por Gleydson Mendes 25 de maio de 2023
Gleydson Mendes
Por Gleydson Mendes 3 de maio de 2023
Arnold Torres Paulino e Luís Carlos Paulino
18 de março de 2023
Gleydson Mendes e Leandro Macedo
Por Gleydson Mendes 18 de março de 2023
Daniel Menezes
Por Gleydson Mendes 18 de março de 2023
Filipe Augusto
Por Gleydson Mendes 18 de março de 2023
Gleydson Mendes
Por Gleydson Mendes 18 de março de 2023
Gleydson Mendes
Por Gleydson Mendes 18 de março de 2023
Gleydson Mendes
Mais Posts
Share by: