Ora é trágica, ora é cômica, ora é tudo. Vai de Nelson Rodrigues a Luis Fernando Veríssimo. Refiro-me à vida, fino leitor, como ela é! Explico-lhe o porquê.
Uma madame queixava-se com um Agente de Trânsito, em virtude de um bloqueio em uma das ruas da cidade, e bradava – em tom de arrogância: – “você não pode obstar o meu direito de ir e vir”. O guarda, tranquilo, disse: – “a rua está bloqueada, a senhora vai ter que dar a volta”. Ela, em seguida, torce a boca e, malcontente, prossegue marcha.
Bom, leitor, a questão é a seguinte: o bloqueio viário fere o direito fundamental à liberdade de locomoção? Seria deselegante de minha parte responder por monossílabos. Então, vejamos.
O legislador de trânsito é claro ao aduzir que compete aos órgãos (ou entidades) do município planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais (CTB, art. 24, II; CTB, art. 21). Desse modo, pode-se depreender que é lícito o bloqueio viário, desde que com o escopo de salvaguardar o interesse coletivo.
Em linhas gerais, deve a autoridade de trânsito, com circunscrição sobre a via, dar publicidade por meio dos canais de comunicação, com quarenta e oito horas de antecedência, dos caminhos alternativos a serem utilizados pelos usuários das vias, exceto em caso de emergência (CTB, art. 95, §2º).
Quanto à Constituição Federal, o artigo 5º, inciso XV, fixou: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Com efeito, quer-se significar com a expressão “tempo de paz” normalidade democrática institucional. Outrossim, o verbete “nos termos da lei” exprime a ideia de norma constitucional de eficácia contida (também conhecida como redutível ou restringível), cuja lei infraconstitucional pode restringir a sua amplitude. Ou seja, ávido leitor, não se trata de um direito absoluto.
Por fim, confesso que o que há de mais interessante nessa história, meu amigo leitor, é o verso que me veio à cabeça bem na hora, “madame tem um parafuso a menos. Só fala veneno, meu Deus, que horror”, do samba “pra que discutir com madame?”.
Lorena-SP, 20 de junho de 2021.
Daniel Menezes é graduado em Direito, especialista em trânsito. Pós-graduando em Direito Constitucional. Diretor de Trânsito no município de Lorena, São Paulo.