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Permissão para Dirigir vencida

O documento de habilitação em todas as suas formas (Autorização, Permissão, Carteira Nacional de Habilitação) têm natureza jurídica de licença. Devemos entender dessa forma, uma vez que se trata de um ato administrativo de natureza vinculada, pois o Poder Público ao verificar que o candidato à habilitação preencheu todos os pressupostos legais para sua obtenção não poderá negar a sua expedição.


Os atos administrativos de natureza vinculada são sempre declaratórios e permanentes. Diz-se declaratória porque não compete à Administração verificar se é ou não conveniente expedi-la, mas somente declarar um direito existente daquele que passou em todas as fases do processo exigido. Por fim, se diz permanente porque não pode a Autoridade de Trânsito revogá-lo por conveniência e oportunidade; note que não é um documento definitivo, pois tem validade, mas é permanente pelas razões expostas.


A Permissão para Dirigir tem validade de 12 meses e de acordo com o § 3º do art. 148 do CTB, durante esse período, o condutor não pode ser penalizado pelo cometimento de infrações de natureza grave, gravíssima ou ser reincidente em médias, pois a não obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, tendo em vista a incapacidade de atendimento do disposto no § 3º obriga o candidato a reiniciar todo o processo de habilitação, assim como determina o § 4º do mesmo artigo.


A Resolução nº 168/2004 do Conselho Nacional de Trânsito trazia em seu art. 34, que foi alterado pela Resolução nº 169/2005, a previsão de que, para efeito de fiscalização, ficaria concedido ao condutor portador de Permissão para Dirigir, prazo idêntico ao estabelecido no art. 162, inciso V, do CTB, aplicando-se a mesma penalidade e medida administrativa, caso este prazo seja excedido.


Sendo assim, o condutor que possui uma PPD deve fazer, ao término dos 12 meses de validade, a solicitação da “CNH definitiva” junto ao respectivo DETRAN, sob pena do cometimento de uma infração de trânsito caso seja flagrado conduzindo veículo com a PPD vencida há mais de trinta dias, assim como previa o § 5º do art. 34 da Resolução nº 168/2004 do CONTRAN.


A infração do art. 162, V, do CTB é a seguinte: “Dirigir veículo com validade da Carteira Nacional de Habilitação vencida há mais de trinta dias”, que é de natureza gravíssima, 7 pontos no prontuário, multa de R$ 293,47, recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado.


Convém destacar que o tipo infracional não contempla expressamente a Permissão para Dirigir, mencionando apenas a Carteira Nacional de Habilitação, de modo que a infração específica constava no texto de uma resolução e não da própria lei. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou quando do julgamento da ADI 2998 e por unanimidade, deu interpretação conforme a Constituição ao art. 161, parágrafo único, do CTB, para afastar a possibilidade de estabelecimento de sanção por parte do Conselho Nacional de Trânsito. Por maioria, declarou ainda a nulidade da expressão “ou das resoluções do CONTRAN” constante do art. 161, caput, do Código de Trânsito Brasileiro. Importante frisar que o acórdão ainda não foi publicado.


Portanto, o Conselho Nacional de Trânsito não pode legislar além da sua competência, sobretudo quando se trata da criação de tipos infracionais inexistentes no texto da lei, o que não é algo raro de acontecer, pois são inúmeros casos de normas editadas pelo CONTRAN que vão além da sua capacidade normativa.


Depois de quase um ano sem publicar novas resoluções, tendo em vista a alteração da composição do conselho inicialmente proposta pela MP 882 que acabou não sendo convertida em lei, a nova composição do Conselho Nacional de Trânsito publicou de uma só vez doze novas resoluções no Diário Oficial da União, na edição de 24 de junho de 2020. A maioria tratou de referendar deliberações publicadas pelo Presidente do CONTRAN no período, mas uma delas consolidou as Resoluções nº 168/2004 e 358/2010 em cumprimento ao que estava previsto na Resolução nº 778/2019.


Com o processo de formação de condutores consolidado pela Resolução nº 789/2020, ficaram revogadas trinta e oito outras resoluções, inclusive a 168/2004 e 358/2010. Um fato curioso é que a nova norma altera o enquadramento para o caso do condutor que possua PPD e for flagrado conduzindo veículo com o documento vencido há mais de trinta dias.


De acordo com o § 5º do art. 28 da Resolução nº 789/2020 do CONTRAN, para efeito de fiscalização, dirigir veículo portando PPD vencida há mais de trinta dias constitui infração de trânsito prevista no inciso I do art. 162 do CTB, cuja tipificação é a seguinte: “Dirigir veículo sem possuir Carteira Nacional de Habilitação, Permissão para Dirigir ou Autorização para Conduzir Ciclomotor”.


Talvez cause certa estranheza esse novo enquadramento, mas foi o entendimento alcançado pelo CONTRAN. Portanto, se o condutor não cumprir uma mera formalidade de solicitar a “CNH definitiva” junto ao DETRAN e realizar o pagamento das taxas correspondentes, mesmo tendo sido aprovado em todas as etapas do processo, não tendo cometido infrações no período e estando habilitado, será autuado por não possuir documento de habilitação.


A interpretação se dá a partir da previsão constante no § 4º do art. 148 do CTB citado anteriormente, que obriga o condutor a se reabilitar quando do não cumprimento da obrigação estabelecida no parágrafo anterior (cometimento de infração grave, gravíssima ou reincidência em médias). Parece-nos um tanto incompreensiva a lógica adotada para alcançar tal entendimento, considerando a falta de uma relação objetiva entre o vencimento da PPD e o § 4º que mencionamos, mas essa é a decisão do CONTRAN e que passará a vigorar a partir de 1º de julho de 2020.


Existe ainda o argumento de que o enquadramento anterior no inciso V do art. 162 (CNH vencida) configurava um excesso normativo do CONTRAN, mas em ambos os casos está sendo criando um tipo infracional novo a partir de uma interpretação, o que é diferente de regulamentar o enquadramento da conduta prevista inicialmente no texto da lei.


A interpretação anterior que enquadrava a PPD na mesma regra da CNH nos parece em conformidade com o conjunto normativo, haja vista não haver prejuízo para o condutor que possui documento de habilitação e está fora do prazo de validade, pois até mesmo seu exame de saúde ainda está válido, aguardando tão somente a solicitação da emissão da “CNH definitiva”. Inclusive, a alteração abre a possibilidade para questionamentos judiciais, pois a sanção foi agravada pelo CONTRAN por meio dessa resolução.


Em que pese todos os questionamentos e aparentes inconformidades, o fato é que a Resolução nº 789/2020 do CONTRAN entrará em vigor e vai alterar o enquadramento da infração ao conduzir veículo com a PPD vencida há mais de trinta dias e, a partir das autuações, os que entenderem ter sofrido algum prejuízo podem buscar a via judicial, quem sabe a partir de outras interpretações poderemos ter o ajuste normativo no próprio texto da lei pondo fim a qualquer tipo de controvérsia.


Caruaru-PE / Rio de Janeiro-RJ, 24 de junho de 2020.


GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Especialista em Direito de Trânsito. Professor de Legislação de Trânsito. Diretor de Ensino da Educate. Professor em cursos de Pós-Graduação em Gestão e Direito de Trânsito. Membro da Comissão de Trânsito da OAB Caruaru-PE. Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito” (Ed. Juspodivm). Criador e colaborador do site Sala de Trânsito.


LEANDRO MACEDO - Policial Rodoviário Federal no Rio de Janeiro. Atuou no TCM-RJ na função de Auditor Público como técnico de controle externo (2012). Coordenador do site Concursos com Trânsito e idealizador da empresa LM Cursos de Trânsito (www.lmcursosdetransito.com.br). Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito”.

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